17M

INDICAÇÃO DE FILME #17M

Updated at 05/19/20 20:22 .

No dia 17 de maio, foi o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Ao longo da semana,  daremos indicações de filmes, séries, artistas, livros etc.., em referência à data e à certeza de que nossas vidas importam.

17M Cinema

 

A Secret Love (Secreto e Proibido no título em português) é um documentário sobre a vida de duas mulheres, Terry Donahue e sua companheira Pat Hensche, que viveram uma relação amorosa e conjugal e após 65 anos de segredo total decidem torná-la pública aos seus familiares. Recuperando, a partir de registros orais, imagens fotográficas e vídeos das protagonistas, toda a trajetória do casal que começou em 1947, o filme traz à tona o tema do amor lésbico no contexto histórico, político e social, sobretudo familiar, dos anos de caça a homossexuais em Chicago, Illinois (EUA).

O documentário é uma produção da Netflix de 2019, lançado em abril de 2020, com direção de Chris Bolan e produção de Alexa L. Fogel, Brendan Mason, e Ryan Murphy. A produção executiva é de Jeremy Gold, Marci Wiseman, Mary Lisio, Alexis Martin Woodall, e Blumhouse de Blum em associação com Now This (informações extraídas do site oficial).

 

 

Vi o filme ontem (18 de maio de 2020) e minhas impressões estão coladas às sensações produzidas na imediatez da experiência, portanto, sem qualquer critério de distanciamento crítico. Não é uma resenha, é apenas um comentário muito pessoal e muitíssimo parcial de pelo menos dois aspectos que me chamam atenção no filme.

O primeiro é a própria produção e circulação de um filme que retrata pessoas velhas do mundo conhecido como LGBTT+. Quando o documentário começa, as protagonistas têm entre 85 e 87 anos e estão ensaiando o seu coming out. A narrativa segue entre passado e presente até a morte de Terry aos 93 anos, quando a relação completa longevos 72 anos.

Sendo apenas remotamente possível vislumbrar imagens eróticas, as duas são retratadas em suas vidas compartilhadas em casas onde coabitaram, no trabalho, nos esportes, na família, em viagens e, em especial, com os amigos. E este é o segundo aspecto que gostaria de comentar.

“Amizades românticas” entre mulheres foram documentadas pela historiadora Lilian Faderman em Surpassing the love of men (1998) ao longo de 400 anos de história da homossexualidade nos EUA. As amizades românticas nas quais duas mulheres viviam juntas em regime de “casamento” eram um modo de vida razoavelmente aceito na sociedade americana burguesa até o final do século XIX quando um acaso (a revelação de cartas de amor repletas de conteúdo erótico e sexual de uma dessas relações) colocou sob suspeita a reputação de tais arranjos.

No documentário, as amigas (então “primas” como se apresentam ao público) passam a vida tentando esconder um relacionamento que para elas tinha nome: amor. Não há equívoco ou hesitação quando elas nomeiam o que sentiram uma pela outra quando se conheceram: atração, amor, desejo de partilhar a vida. Ambas haviam se relacionado com rapazes e noivado, como era de se supor. Mas, por razões que não são o fracasso ou a desilusão (“causas” da homossexualidade feminina no senso comum ainda hoje), elas encontraram a razão de suas vidas, ou seja, viverem juntas até o fim, jurando darem uma à outra tudo o que cada uma possuía. Este é o pacto de paixão e fidelidade que, sabemos, vingou do início ao fim. 

O tema da amizade é importante porque boa parte do filme é dedicada aos conflitos que elas viveram em virtude do segredo às pessoas da família que mais amavam, aspecto que, embora central, não vou comentar. Registro a cena do jantar com dois amigos, também gays, “casados” e velhos. É uma cena linda na qual discutem sobre a hipótese de virem a se casar formalmente ou não (o casamento entre pessoas gays foi aprovado nos EUA em 26 junho de 2015) e cada qual dá sua opinião analisando prós e contras. Nas fotos também abundam cenas entre amigos. E num dado momento, Diana, a sobrinha amada de Terry (que é responsável pelas decisões nos momentos finais da vida da tia) diz, olhando um álbum antigo, sem saber o que fazer com ele: “elas viveram longe da família; eles (os amigos) eram uma família à parte”. 

Sim, as amizades são o refúgio de intimidade protetora na vida de muitas pessoas e ainda mais de duas mulheres vivendo um amor que não podia ser assim enunciado. Na celebração do casamento delas a paz é selada entre todos, familiares e amigos e, enfim, o amor já podia ir para o porta-retrato de família. Quando, nos momentos finais do filme, estão em mudança de Chicago para a cidade natal de Terry, no Canadá (onde se encontra a família), Pat diz melancólica “é tão difícil deixá-los”. Por isso se diz que as amizades são a família de escolha, aquela que não julga, apenas acolhe.

Por tudo o mais (amor, interdependência, finitude) que não está dito aqui, recomendo este belo filme. E aproveito para agradecer uma vez mais à Lenise Borges, a boa indicação.

 

Eliane Gonçalves

Professora da FCS/UFG e integrante do Ser-Tão